Texto de Reynaldo Roels Jr. para o projeto multimídia "Códigos Temporais" exibido na coletiva "Iluminando o Novo" realizada no LARGO DAS ARTES (Rio de Janeiro/RJ) e no ESPAÇO FURNAS CULTURAL (Rio de Janeiro/RJ) em 2009.
A passagem de um meio convencional, como a pintura, para um outro, como o vídeo, este tecnologicamente mais recente (não necessariamente mais avançado – uma diferença essencial e muitas vezes esquecida), não deveria representar qualquer mudança na qualidade do discurso da arte, ainda que represente, não poucas vezes, um desafio para o artista. Em primeiro lugar, pela própria novidade do meio, de que nem sempre se sabe quais são os usos possíveis (ou mesmo desejáveis)¹. Em segundo lugar, por tentativas precipitadas de transpor pura e simplesmente, para um outro meio (“traduzir” talvez constituísse uma expressão mais adequada), um discurso que não foi inicialmente construído para ele. Graças a um esforço de já algumas décadas, as artes visuais vêm conseguindo demonstrar com sucesso sua independência frente à técnica e, ao menos no que diz respeito ao vídeo, construir, não uma linguagem, mas um discurso a ele específico.
Este é o resultado que os trabalhos aqui apresentados por Xanda Nascimento evidenciam, como trabalhos especificamente de vídeo e como novas possibilidades que a artista abriu para além da pintura com que ela deu início à sua trajetória. É conveniente, em todo o caso, mencionar que se trata aqui de apenas parte de um projeto mais amplo e cuja realização plena não se vê na mostra. Os vídeos não são prolongamentos da pintura anterior mas, ao contrário, são fragmentos de um trabalho maior que inclui, na sua totalidade, a interatividade com o próprio espectador. Ao contrário da pintura, que concentra o olhar sobre um foco dentro de si mesma, os vídeos de Xanda são obras que pretendem atuar além do velho espaço contemplativo e interiorizado (subjetivado, portanto), que caracterizou, até não muito tempo, o campo tradicional da arte.
O salto é arriscado e, em algumas ocasiões, vemos artistas se embrenharem por caminhos inesperados. Isso nem sempre se dá com muita felicidade, especialmente em um período como o nosso, quando a precipitação de instrumentos colocados à disposição de todos prolifera de modo espantoso e se assiste a um sem-número de ensaios sem maiores consequências. Outras vezes, mas não raramente, tal representa o ponto decisivo de uma trajetória. Ainda que o olhar do público em geral possa ficar desorientado com a aparente diversidade – que muitos se equivocam em chamar de “ausência de regras”, ou, pior, de “vale tudo” –, este é apenas um sintoma de que novos modos de raciocínio estão sendo capazes de dar conta de novas situações; de que o que até agora nos serviu de “mapa” do já conhecido tornou-se insuficiente diante do inédito que se descortinou e assimilou. E ainda nos falta muito a mapear no campo atual da arte.
Deste modo, o que a artista apresenta nesta mostra é, mais do que um ensaio com uma técnica nova (para ela), uma ampliação da experiência acumulada em anos de prática pictórica. Uma ampliação que importa menos enquanto enriquecimento interno da artista, do que como novas formas de compreensão do mundo para o espectador.
¹O exemplo clássico é a própria pintura a óleo, cuja existência documental antecede em pelo menos três séculos sua aplicação na arte.
Reynaldo Roels Jr., 2009.
Reynaldo Roels Jr. (1951-2009) foi crítico de arte do Jornal do Brasil de 1985 a 1990, coordenador do Núcleo de Pesquisa do MAM RJ entre 1991-1992, curador da Coleção Gilberto Chateaubriand de 1997 a 2000 e diretor da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage de 2002 a 2006, onde também lecionou. Foi, ainda, curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro de 2007 a 2009.